Relações Conscientes – “Imagine all the people living life in peace!”
3 de Abril, 2023Percebermos o porquê do que fazemos, da forma como estamos na parentalidade, se nos faz sentido ou se só o praticamos desta forma porque sempre o aprendemos assim, é uma excelente aproximação à prática da Parentalidade Consciente, que nos convida, logo numa primeira instância, a mudar de paradigma. A esta alteração de mindset, seguem-se várias propostas de mudança de foco que são fundamentais para colocar em prática esta forma de estar na parentalidade.
Um dos primeiros focos de mudança é para mim o mais significativo e o que representa toda a importância que atribuo a esta prática parental: mudar o foco da educação para a relação. Na interação com os nossos filhos estamos muitas vezes mais focados em educar, maioritariamente sobre a forma de incentivos e punições, que se espelham em práticas de suborno e de ameaças. Preocupamo-nos em passar os princípios certos, e muitas vezes esquecemo-nos da relação. Pense comigo, tem vontade de colaborar com quem tem pouca ou uma má relação? É provável que não. Por norma a nossa vontade de colaborar será tanto maior quanto a qualidade da relação que temos com aquela pessoa. Com as crianças passa-se o mesmo.
Outro fundamento que muda muito as nossas interações, é a mudança de foco do comportamento para a necessidade, que nos desafia a ver para além do óbvio, a ter uma atitude de interesse e escuta. Ao invés de rapidamente saltarmos para o rotular do comportamento, que é apenas um sintoma, uma manifestação de necessidades não satisfeitas. Por exemplo, chego a casa ao fim de um dia de trabalho e tenho o meu filho a fazer uma série de “traquinices”. O mais habitual seria algo como “estás a portar-te mal! Para quieto!”. Se ao invés de eu saltar para aqui olhar com atenção para ele, perguntar-me o que será que ele precisa, provavelmente vou perceber que tudo aquilo era uma forma de dizer “estou aqui! Estive o dia todo sem ti e agora que chegas estás a tratar de outras coisas em vez de estar comigo”, a minha empatia e abordagem vão ser provavelmente outras.
Outra proposta desta abordagem é desviar os holofotes do “mau-comportamento”, para algo que faz muito mais sentido, a incapacidade de regulação. As chamadas “birras” não são uma escolha (quem me conhece e/ou já ouviu falar destes temas sabe que eu não simpatizo lá muito com este termo, mas enfim). As crianças não nascem a saber autorregular-se. Elas aprendem pelo meio das experiências que vão tendo e das reações que veem em nós. A Parentalidade Consciente baseia-se na Neurociência e na Teoria Polivagal, que explicam que nestes momentos a criança não consegue aceder à parte “pensante” do cérebro. As áreas cerebrais responsáveis pelo raciocínio ficam inacessíveis. Portanto, fica impossível a criança “portar-se bem”. E quantos mais gritos e ralhetes, mais desorientada a criança fica. Nesta situação o mais importante é ajudarmos a criança a sentir-se bem, a retomar a sua janela de conforto, e não julgá-la, castigá-la e corrigir o seu comportamento. Enquanto ela não estiver novamente regulada ela não vai conseguir assimilar o que lhe estamos a dizer.
Propõe-se também uma mudança de foco da coisa certa para a intenção. E muitas vezes questionamo-nos se estamos ou não a fazer a coisa certa. Como sabê-lo? Não existe forma se não soubermos o que pretendemos. Daí que a intenção seja muito mais importante. Ela permite-me alinhar o meu comportamento nesse sentido e, em caso de desvio desse meu caminho, tomar mais rapidamente consciência de que me estou a desviar, permitindo-me realinhar novamente. Até porque a “coisa certa” muitas vezes é um constructo que nos é imposto pelos outros, mais focado em gerir comportamento, e não o que me faz sentido a mim e o que resulta melhor com a minha família.
Outro desafio interessante: obedecer ou colaborar? Queremos que as nossas crianças sejam autónomas, que pensem pela sua própria cabeça, que saibam fazer escolhas e tomar decisões que sejam benéficas para elas… mas só lá à frente. Enquanto estiverem debaixo do nosso teto queremos crianças obedientes. Faz sentido? Provavelmente não. Numa relação saudável eu colaboro porque percebo e me faz sentido, e não porque estou a ser manipulada ou chantageada. Por exemplo: “se não comes, ficas sem ver televisão!”, a criança até pode comer, mas para evitar uma consequência que não quer, e não porque percebeu ou fez-lhe sentido a importância de comer (comer é todo um tema, que eu cá nunca vi obrigarmos adultos a comer, mas com crianças… bom adiante!). Claramente que colaboro tão mais quanto melhor for a minha relação com aquela pessoa.
No mesmo sentido, temos o respeito pela pessoa em vez do respeito pela autoridade. Eu quero que o meu filho respeite toda a gente. Que respeite a pessoa por ser uma pessoa, e não mais ou menos em função de ser uma figura de autoridade, como eu ou o pai. Claro que a forma de estar nas relações com os pais e com os colegas é diferente, mas em matéria de respeito, pretende-se que seja o mesmo por todas as pessoas. Boas relações não se constroem com base em medo. O “sim porque sou tua mãe e eu é que mando!” não promove uma relação de qualidade entre mim e o meu filho.
Por último, mas claramente não menos importante, temos a necessária mudança de foco da autoconfiança para a autoestima (link para artigo de autoestima). Falamos tanto em autoestima e cada vez mais são os casos de quem a tem muito baixa. Numa sociedade em que se valoriza mais o ser do que o fazer, muitos sentem que não são bons o suficiente.
Estes fundamentos são uma matriz que podemos aplicar a todas as nossas relações, com adultos e crianças. Convido-vos a experimentar esta forma de estar com o outro e consigo próprio.