Parentalidade Consciente – quais os fundamentos para a colocar em prática?
3 de Abril, 2023Ferramentas da Autoestima – Que práticas promovem a construção de uma autoestima saudável?
3 de Abril, 2023Imagine um mundo em que as pessoas são mais conscientes de si, dos seus percursos, das suas necessidades, e em que as necessidades das crianças assumem igual valor à de qualquer adulto. Em que se respeita a pessoa pela pessoa, a sua integridade, independentemente da sua idade, proveniência, classe social, cargo; e em que a autenticidade e a responsabilidade pessoal imperam na forma como nos relacionamos. Não é utopia, são Relações Conscientes. E por ser algo tão abrangente eu opto muitas vezes por usar esta expressão, “Relações Conscientes”, em vez de “Parentalidade Consciente”. Porque efetivamente acredito que esta forma de estar nas relações pode ser transversal a todo o nosso universo relacional.
Quando iniciei formação na área, ia à procura de um maior autoconhecimento da forma como desempenho o meu papel enquanto mãe. Procurava também uma forma de dar uma melhor resposta às várias inquietações que tantos pais colocavam em sessão. Não estava era à espera de encontrar um percurso (a meu ver sem retorno) de Desenvolvimento Pessoal, que viria a transformar, de uma forma ou de outra, todas as relações em que me encontro. Este é o percurso das relações conscientes.
Ter em mente estes quatro valores, trabalhar no sentido de evoluir na sua prática, pode mesmo ser transformador das nossas relações. Começando pela relação mais longa da nossa vida, a relação connosco próprios, a base de todas as outras.
Quando ouvimos falar de Igual Valor nas relações, para muitos de nós parece um conceito bastante óbvio. Estabelecer as nossas relações e interações com base na premissa de que todos temos o mesmo valor. No entanto, estamos provavelmente perante o mais desafiante dos quatro. Sobretudo quando falamos em crianças. Vou dar-vos um exemplo. Se algum adulto se queixa de que o sapato o está a magoar, habitualmente a nossa resposta é de empatia “ai que chatice, mas está a apertado ou entrou alguma coisa que te está a magoar? Se calhar tens os atacadores muito apertados. Vê lá isso que quando os pés estão desconfortáveis parece que a pessoa não está bem de maneira nenhuma!”. Com uma criança, então se estivermos com pressa “lá estás tu com as tuas coisas! Tens de inventar sempre alguma coisa quando já estamos atrasados! Deixa-te lá disso que está tudo bem com os teus sapatos!”. Quem nunca presenciou ou deu por si a dizer algo dentro deste género? Para verdadeiramente praticarmos igual valor, temos de permitir liberdade de expressão de pensamentos, sentimentos, necessidades, desejos e opiniões, demonstrando de forma genuína que lhes atribuímos valor e importância. No que se refere a crianças, e sendo nós pais os primeiros modelos de expressão emocional, cabe-nos explicar e mostrar que existem formas e formas de nos expressarmos. Sermos exemplo de formas adequadas de exprimir as nossas necessidades, emoções, opiniões, vai ser muito importante na forma como a criança vai desenvolver esta comunicação, e no respeito que vai ter pela opinião dos outros. Percebe a importância disto nas relações que ela vai desenvolver ao longo da sua vida?
Já no que respeita à Integridade, neste contexto referimo-nos a tudo aquilo que a pessoa é, com as suas necessidades, pensamentos e emoções, mas também limites físicos e psicológicos. Só estou a respeitar a integridade de alguém se respeitar tudo aquilo que aquela pessoa é. Ora, aqui vem-me sempre à mente aquele clássico exemplo da visita daquela tia a nossa casa. Aquela que nós preparamos as crianças, sabe? Nós queremos que aquilo corra bem, que a tia saia lá de casa com a ideia de que aquelas são crianças bem-educadas. Então é “vai dar um beijinho à tia”. Muitas vezes a resposta “não quero”, segue-se a insistência, troca de argumentos, no desespero suborno até! Estamos a respeitar a integridade da criança? E quando as agarramos e beijamos sem que elas queiram? Ainda que na brincadeira, aqui estamos a respeitar menos ainda. Também corremos o risco de passar uma ideia errada, “alguém com mais força do que eu e/ou com um papel educativo, pode obrigar-me a fazer algo que eu não quero e pelos vistos é suposto eu não me opor”. Outro exemplo, “gosto daquela camisola cor-de-rosa”, resposta, “não gostas nada! Tu gostas é da azul. Essa sim é uma cor de meninos”. Em muitas situações, familiares e sociais, a integridade da criança é posta em causa. Não o fazemos com essa intenção, claramente, mas a mensagem que vamos passando não é de respeito pela criança como ela é. Ir criando consciência destes aspetos é fundamental, uma vez que o respeito pela integridade é um dos grandes alicerces da construção de uma autoestima saudável.
Criando aqui a ponte para o princípio seguinte, tudo o que estou a partilhar aqui convosco, bem como tudo o que diz respeito, de uma forma geral, à nossa interação com as crianças, só faz sentido e ecoa quando é feito com Autenticidade. E aqui dou-vos o exemplo do restaurante. Imagine uma situação em que estamos a passear com os miúdos no centro comercial, e chega a hora de almoço. Quando mencionamos o “vamos almoçar?”, vozes levantam-se a pedir a comida daquela cadeia de restaurantes que começa com M e acaba em S. Resposta, “mas vocês só querem é comer porcarias! Sabem que isso faz mal e é sempre isto!”, quando muitas vezes a nossa vontade era a mesma! E experimentarmos assim, “vocês gostam muito de comer aí, não é? Sabem, eu percebo. Eu também gosto! Mas esta semana já lá fomos uma vez e não convém mesmo irmos muitas vezes seguidas. Destes aqui, qual é que vocês acham melhor?”, aqui temos um tratamento onde vários princípios estão presentes, o igual valor (ao tratarmos como gostaríamos de ser tratados, como à partida trataríamos um adulto), o respeito pela integridade (ao respeitar as opiniões) e com autenticidade (sendo fiéis ao que nós próprios também sentimos). Somos autênticos quando somos capazes de exprimir o que queremos, o que precisamos e o que sentimos. Não existem relações verdadeiramente saudáveis sem este ingrediente. Sem autenticidade o outro não confia em nós.
Por fim, a Responsabilidade Pessoal, ou seja, pelas nossas necessidades, emoções, comportamentos, por aquilo que é nosso, sem colocar essa responsabilidade no outro. Aqui costumo dar o exemplo de frases como “não faças isso que fico triste”, em que estou a colocar a responsabilidade por aquilo que eu possa sentir no outro, quando outra pessoa naquela situação, eu mesma em outro momento, num dia em que esteja menos cansada, mais disponível, poderia sentir as coisas de outra maneira. Se eu assumir antes a minha responsabilidade “hoje estou mais cansada, prefiro falar sobre isso em outro momento”, estou a ser genuína, a explicar ao outro o estado emocional em que me encontro e a assumir que a forma como estou a reagir está relacionada comigo, com o meu estado naquele momento.
É provável que alguns princípios nos saiam mais naturais do que outros numa primeira abordagem. É algo que eu vou praticado, aprendendo e desenvolvendo. E, como tudo na vida, sentir as alterações em mim e nos outros, acaba por ser o melhor reforço desta nova forma de estar perante as relações.